sábado, 10 de novembro de 2007

Todos temos uma estrela...


Lenda do Pastor e da Estrela

Era uma vez um pastor que vivia numa aldeia triste e tinha como único amigo o seu cão. Mas era novo e tinha esperanças. Às vezes, fitava os horizontes e perguntava a si próprio:
- Porque razão não poderei atravessar aquelas serras? Ir ver o mundo que fica do outro lado? Ah! Hei-de ir um dia… hei-de ir!

Certa noite, enamorado do luar e da aragem fresca que corria de mansinho, nem sequer pensou em deitar-se. Ficou-se para ali, sentado, sonhando de olhos abertos. A certa altura teve a nítida impressão de que uma pequenina estrela descia até ele. Nessa estrela havia o rosto de uma criança. E a estrela falou-lhe, numa voz meiga e infantil:
- Pastor! É verdade que desejas ir conhecer o mundo? Não tens medo do desconhecido?
Surpreendido, o homem estremeceu.
- Meu Deus! Pois será possível que as estrelas tenham voz?
A vozinha meiga e infantil fez-se ouvir de novo:
- Sim, sou eu que te falo. Mas foi Deus que me enviou para te guiar. Quando quiseres podemos partir. Tudo depende da tua vontade, quando estiveres disposto a partir, basta que chames por mim. Eu ficarei à tua espera, lá em cima…
Uma alegria imensa tomou de assalto o jovem pastor.
- Oh! Minha pequenina estrela! Fosse loucura ou verdade, eu ouvi a tua voz. Pois, estou decidido! Que se faça a vontade do Senhor! Irei à aventura até alcançar aquela grande serra que vejo além, a maior de todas. Oh, minha boa estrela! Desce do céu e vem para me guiares.
E de novo o pastor ouviu aquela vozita cheia de ternura que já ouvira uma vez:
- Aqui estou!
Na aldeia, os velhos ficaram abanando as sábias cabeças. Era um louco que partia. Fora dali, só poderia encontrar a fome, a miséria e a morte!
De facto, eles quase tinham razão. Durante tempos e tempos o pastor andou como que ao acaso, sem alcançar o seu destino. Foi uma caminhada longa e dura. O alto da serra ficava sempre mais além. O cão, seu fiel companheiro, não conseguiu acompanhar a jornada. Ficou no caminho, marcado por tosco sinal de pedra. O pastor, silenciosamente seguiu rumo ao alto da serra, o pastor que um dia sonhara abraçar de lá todo o horizonte.
Muitos anos passaram. O pastor envelheceu e a própria estrela também. Porém, um dia – esse dia havia de chegar! - o pastor pôs o pé no alto da serra! A alegria que sentiu foi quase de loucura. Olhava em redor o vasto e belo horizonte, e a cabeça parecia estalar-lhe. Chorava e ria ao mesmo tempo. Gritava por entre o vento o seu hino de louvor:
- Bendito seja Deus! Bendita sejas tu, minha boa estrela! Chegámos… Aqui ficarei para sempre na tua companhia! Para sempre!
E o pastor instalou-se ali, mergulhando, deliciado, o seu olhar na amplitude vasta do horizonte.
Então aconteceu que o rei daquelas redondezas ouviu falar num pastor que habitava o alto da serra e que possuía uma estrela única no mundo com quem falava todas as noites. Sem hesitar, mandou emissários para que o trouxessem à sua presença. Prometeu todas as riquezas do mundo ao velho pastor, em troca, queria a estrela. O velho pastor olhou o rei com desespero.
- Pedis o impossível, Senhor! A estrela não é minha, é do Céu!
Furioso, o rei gritou-lhe:
- Que importa? Eu sei que ela faz o que tu ordenas. Se tu quiseres ela será minha.
Com uma dignidade que assombrou o monarca, o velho pastor replicou:
- Senhor, prefiro continuar pobre, desprezado, mas sempre com a minha estrela.
E no mesmo assomo de energia, o velho pastor voltou as costas ao rei poderoso, e abalou de novo a caminho da serra.
Deitou-se na sua enxerga, e a melodia já muito sua conhecida desceu do alto e veio sussurrar-lhe aos ouvidos:
- Ainda bem que as riquezas não te tentaram. Ficaria tão triste.
Erguendo-se da enxerga, o velho respondeu com lágrimas na voz:
- Ouve, minha boa estrela. Já perdi a conta dos anos, nem sei desde quando nos conhecemos, mas quero que fiques sabendo que não poderei viver sem ti, sem o teu brilho, sem a tua luz, sem a tua presença.
A estrela explicou-lhe, num sussurro, fazendo amainar o vento que corria célere:
- Pois quando morreres, meu bom pastor, podes morrer descansado. Eu aqui te prometo que jamais te abandonarei.
Num êxtase, o pastor encarou a sua estrela. O seu brilho intenso salpicava-lhe de luz os cabelos encanecidos. E o velho, numa voz de profeta, proclamou do alto das montanhas:
- Eu te agradeço o que fizeste por mim! De hoje em diante esta serra há-de chamar-se, e para sempre – a Serra da Estrela!
E diz a lenda que no alto da serra desse nome pode ver-se todas as noites, entre as suas irmãs, uma estrela que brilha ainda hoje duma maneira estranha e diferente. O seu brilho derrama reflexos de saudade e amor sobre a campa desconhecida daquele que foi e continuará a ser – o seu pastor!

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